Um advogado de Campos dos Goytacazes que pegou um empréstimo por meio da Agência de Gomento do Rio (AgeRio) para a construção de um frigorífico é dono de duas coberturas onde mora o presidente da Alerj, deputado Rodrigo Bacellar (PL).
As duas coberturas, de alto padrão, são alugadas por apenas R$ 2,2 mil, um quinto dos valores médios de apartamentos semelhantes.
A relação do advogado Jansens Calil Siqueira e de Bacellar, que também é de Campos, não para por aí: os dois também racharam a compra de uma mansão na Região Serrana.
O espaço foi totalmente reformado e quem vistoriou foi o diretor de engenharia da Alerj, nomeado por Bacellar.
O FRIGORÍFICO
O frigorífico adquirido pela empresa do advogado com recursos da agência de fomento fica em um terreno de 62 mil metros quadrados - equivalente a seis campos de futebol.
A propriedade tem a capacidade de abater 250 cabeças de gado por dia, com um potencial de produzir 54 toneladas de carne bovina por mês, além de 333 quilos de miúdos congelados.
Em valores atualizados, o espaço pode render R$ 1 milhão por mês com a venda da carne.
A grandeza pode ser medida também na planta do projeto: a indústria tem quase mil e quinhentos metros quadrados. O local tem ainda várias salas, como escritório, faturamento, RH e controle de qualidade.
O mega empreendimento é um consórcio: o RJ2 apurou que o presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar, é um dos nomes por trás do frigorífico. Ele é apontado como sócio e já foi visto algumas vezes inclusive visitando as obras.
O empreendimento fica em Campos dos Goytacazes, reduto eleitoral do deputado Bacellar.
A licença ambiental integrada do empreendimento foi pedida em fevereiro do ano passado e concedida pelo Instituto Estadual do Ambiente, o Inea, em setembro - um prazo considerado "rápido, mas não impossível" por uma fonte com experiência no instituto.
Quem assina a licença é o superintendente Leonardo Barreto Almeida Filho. Nas redes sociais, Leonardo faz publicações de homenagem ao deputado. Em uma delas até colocou a hashtag "família Bacellar".
Leonardo já foi secretário de desenvolvimento ambiental de Campos na gestão de um aliado de Bacellar: o ex-prefeito Rafael Diniz.
Derrotado nas urnas, Rafael acabou ganhando uma vaga na Alerj: em abril, tornou-se diretor de informática, com salário líquido de quase R$ 18 mil, nomeado por Bacellar.
Outro sócio por trás do frigorífico é o advogado Jansens Calil Siqueira, como ele mesmo admite: "O frigorifico é meu, é meu, está sendo construído. E vai ser inaugurado em novembro".
O nome dele também aparece em um comprovante obtido pelo RJ2.
É o advogado Jansens que faz o pagamento de R$ 1,5 mil para a tramitação do processo de certificação do frigorífico junto ao Inea.
Ele admitiu ao repórter Rafael Nascimento, do g1, que é quem está por trás do negócio.
Uma declaração também revela um pedido feito pelo frigorífico em construção de financiamento: a Age-Rio, agência de fomento fluminense, ligada ao poder público, investiu no negócio.
Questionado se teve recursos da Age-Rio para financiamento, o advogado não nega que fez um empréstimo no ano passado, mas diz que já quitou. "Lá atrás, peguei 1 milhão e meio, mas já paguei. Peguei o empréstimo com a Agerio, depois Sicoob, paguei. Agora só tenho Sicoop".
A sociedade no frigorífico não é a única parceria entre o advogado e Rodrigo Bacellar.
O presidente da mais importante casa legislativa do estado vive na casa do advogado: ou melhor, nas casas. É o advogado quem aluga pra ele duas coberturas de alto padrão em Botafogo, Zona Sul do Rio.
E também usa uma mansão em Teresópolis, na Região Serrana. A propriedade dos imóveis foi revelada pelo portal Metrópoles e confirmada pelo RJ2.
Quando está no Rio, o presidente da assembleia vive em uma cobertura de frente para o Palácio da Cidade. O imóvel tem vista livre pro Cristo Redentor.
Segundo o advogado de Campos, um imóvel que ele aluga por R$ 2,2 mil - um valor muito abaixo do mercado, ainda mais porque se tratam de duas coberturas que foram integradas.
Na internet, coberturas no bairro de Botafogo estão avaliadas em valores muito superiores do que os R$ 2,2 mil pagos pelo presidente da Alerj.
No site da construtora, as coberturas tem de 184 a 244 metros quatros, "sendo todos com suites sofisticadas, cozinha moderna. Além da impressionante vista particupar pro Cristo".
O aluguel de R$ 2,2 mil é mais barato até do que um penduricalho concedido pela própria Alerj para os deputados que não são da capital: mensalmente, a casa paga um auxílio moradia de R$ 3,3 mil para quinze parlamentares. Inclusive, pra ele próprio: Rodrigo Bacellar.
"O apartamento em Botafogo é meu, as duas coberturas são minhas. Eu nem conhecia o Rodrigo. Depois eu quis emendar. Ele foi almoçar lá em casa outro dia, ele falou ‘me aluga essa cobertura, to com esse problema’. Nós fizemos em contrato, fizemos o pagamento. Eu alugo a cobertura, Rodrigo paga R$ 2.200 e as taxas", explica.
Em 2018, quando Bacellar foi feleito deputado pela primeira vez, ele declarou a Justiça Eleitoral ter apenas R$ 85 mil. Tudo, em cash: dinheiro em espécie. Quatro anos depois, o patrimônio de Bacellar subiu: nas últimas eleições ele declarou ter R$ 793 mil, sendo R$ 150 mil em dinheiro vivo.
CASA RACHADA EM TERESÓPOLIS
Também foi em moeda viva parte do pagamento dos dois imóveis onde Bacellar mora -- no Rio e em Teresópolis. A mansão de Teresópolis, no bairro do Quebra-frascos, teria sido dividida pelo deputado e o advogado. Ela estava à venda recentemente. Já era luxuosa e ficou mais depois de uma reforma.
Nesta quinta (10), o Globocop sobrevoou a região e viu movimento de obras no local. A casa ganhou novos acessos e uma quadra de futebol e uma de areia.
O empresário, dono do frigorífico e da cobertura em Botafogo, disse que dividiu a empreitada com Bacellar.
"A relação que eu tenho com ele são duas: ele mora numa cobertura minha e é condômino lá em Teresópolis. Mas o negócio é bom. O negócio é bom, eu quero vender. Rodrigo mora numa cobertura minha, e a casa que ele tem vinte por cento, eu 80, tá tudo em cartório. Tudo feito. Pagamento feito", afirma.
O RJ2 apurou que a obra da mansão de teresópolis teve como responsável técnico um especialista da confiança de Bacellar.
A ponto de ser o diretor de engenharia da assembleia. Antonio de Padua Gesualde dos Santos foi nomeado por Bacellar, mas, segundo fontes ouvidas pelo RJ2, dava expediente na reforma em Teresópolis.
Ele próprio confirmou que trabalhou na reforma durante férias que tirou na Alerj. Quase toda família dele também acabou ganhando cargos de confiança, pagos com dinheiro público.
O filho, Diogo Grandini dos Santos, assistente nove, com salário de R$ 2,8 mil. E a esposa, Denise Mesquita da Silva, que tem o mesmo cargo e um salário um pouco menor.
Antonio nega, porém, que a reforma estava condicionada a nomeação de parentes.
O QUE DIZEM OS CITADOS
As equipes do RJ2 foram a Campos dos Goytacazes para gravar uma entrevista com o advogado Jansens Siqueira, mas ao chegar na cidade, a mais de 200 quilômetros do Rio, o advogado mudou de ideia e não quis mais falar.
As equipes também foram para a Alerj para conversar com o presidente Rodrigo Bacellar, mas não fomos autorizados pela segurança da casa a entrar no plenário. No local, os repórteres foram avisados que Rodrigo Bacellar estaria em agenda externa.
Por nota, o deputado Rodrigo Bacellar disse que repudia ilações e que seus bens são compativeis com sua remuneração e as informações patrimoniais estão no Imposto de Renda. Sobre o frigorífico, Bacellar negou participação na obra.
Sobre a cobertura em Botafogo, disse que é alugada e, sobre a mansão em Teresópolis, disse que comprou em processo judicial e que a casa estava prestes a ser leiloada por causa de dívidas.---
O Instituto Estadual do Ambiente nega que haja interferência política nos processos de licenciamento e disse que cumpre os prazos do novo sistema estadual de licenciamento ambiental.
O Inea afirmou ainda que a licença do frigorífico em Campos cumpriu os trâmites legais e a emissão, em 7 meses, está dentro dos prazos médios do órgão.
A Agerio disse que concedeu em maio de 2022 financiamento para o frigorífico, que o contrato foi quitado em janeiro de 2023 e não restam pendências financeiras.
REPRODUÇÃO: G1