Diante da discussão intensa sobre anistia que ocorre hoje no país, é necessário que sejam feitas algumas perguntas. Quem ganha com a anistia se ela for concedida? Seria a nova anistia algo inovador na história do Brasil?

Antes que comecem os ataques de pessoas que não conhecem a história do nosso país, quero dar algumas explicações. Não sou nem de direita nem de esquerda. Fui de esquerda, fundador do PT, e deixei o partido quando percebi os caminhos tortuosos de enriquecimento da cúpula petista. Minha definição ideológica nunca mudou: sou nacionalista, trabalhista e conservador-cristão. Bolsonarista? Quero afirmar a vocês que já votei em Lula mais vezes na minha vida que em Bolsonaro. Hoje sou um livre pensador. E é nessa condição que quero responder às perguntas acima com dados da história e não baseado em paixões que, no fundo, atrapalham o entendimento político necessário para a pacificação do Brasil. É bom você saber que minha vida política foi revirada exaustivamente e nada foi provado contra mim. Infelizmente, governei num tempo em que não existiam redes sociais.

Agora, vamos ao que interessa. Quem ganha com a anistia? Talvez você pense que os anistiados. Mas, o maior beneficiado desse ato, será o Brasil que fará um gesto claro contra a polarização existente no país. Antes do detalhamento, pergunto à você: quantas anistias coletivas de movimentos separatistas, golpistas e insurreições foram concedidas no Brasil desde a proclamação da República? Acha que foram poucas? Foram 58 e mais de 48 mil anistiados. Como o trabalho é longo, vou citar e comentar apenas as principais.



Anistia de 1890, concedida pelo Governo Provisório de Deodoro da Fonseca a presos políticos do período imperial. Decreto nº 942 de 31 de outubro de 1890.

A anistia de 1905 beneficiou participantes da Revolução Federalista ocorrida entre 1893 e 1895. Decreto nº 1628 de 5 de janeiro de 1907.

Anistia de 1926, concedida a participantes de movimentos militares entre 1922 e 1926, incluindo os Levantes Tenentistas. Lei nº 5221, de 31 de dezembro de 1926.



Anistia de 1934, que beneficiou presos políticos pela Revolução Constitucionalista de 1932, quando São Paulo quis se separar do Brasil. Decreto nº 24855 de 5 de julho de 1934.




Anistia de 1945. Decreto/Lei nº 7474, de 19 de abril de 1945, concedida no final do Estado Novo (de 1937 a 1945), beneficiando opositores de Getúlio Vargas.

Anistia de 1956, que beneficiou militares e civis perseguidos durante a Era Vargas (1951 a 1954).



Anistia de 1964. Decreto nº 54916 de 10 de agosto de 1964, beneficiou militares cassados por atos disciplinares antes do Golpe de 64.

Anistia de 1979. Lei nº 6683, de 28 de agosto de 1969. Beneficiou perseguidos políticos e agentes do Estado acusados de crimes políticos durante a ditadura militar.



Anistia de 1985. Emenda constitucional nº 26 de 27 de novembro de 1985. Restabeleceu os direitos políticos de perseguidos pelo regime militar.

Anistia de 1986. Lei nº 7524, de 17 de julho de 1986. Anistiou servidores públicos punidos por motivações políticas.

Anistia de 1993. Lei nº 8632, de 4 de março de 1993. Concedida a militares que participaram de movimentos reivindicatórios.

Anistia de 2002. Lei nº 10559, de 13 de novembro de 2002. Regulamentou a anistia política e garantiu indenizações a perseguidos políticos.

Anistia de 2011. Lei nº 12505, de 11 de outubro de 2011, concedida a cabos da Força Aérea Brasileira desligados arbitrariamente durante a ditadura.

Anistia de policiais e bombeiros militares entre 2006 e 2018 por reivindicações salariais. Foram várias leis.



Agora percebam que a própria introdução da República no Brasil promoveu uma anistia, como vimos acima. Mas não é só isso. Se formos analisar casos emblemáticos na história do Brasil, poderíamos falar da Revolução Farroupilha, ocorrida de 1835 a 1845. Um conflito separatista do Rio Grande do Sul contra o governo imperial. A anistia foi conquistada com o Tratado de Ponche Verde (1845), onde o império concedeu anistia aos revoltosos além de reintegrar os oficiais farroupilhas ao exército brasileiro.

Revolução Praieira, de 1848 a 1850. O ideal deste movimento tinha ideias republicanas e também separatistas, ou seja, dividir o território brasileiro. O imperador Dom Pedro II, em 1852, concedeu anistia aos revoltosos.

Movimento Autonomista do Acre (1899 a 1903). O Acre tentou se separar da Bolívia e foi ocupado por brasileiros liderados por Plácido de Carvalho. Em 1903, através do Tratado de Petrópolis, os revolucionários acreanos foram anistiados e incorporados ao exército brasileiro.



Tivemos também, anistia em 1956, quando militares e civis envolvidos na Revolta de Jacareacanga e Aragarças, em 1956 e 1959, tentaram um golpe contra o governo Juscelino Kubitschek. Foram todos anistiados.

Anistia de 1961. Motivo: reintegração de militares punidos por apoiar João Goulart na crise da renúncia de Jânio Quadros.

Anistia de 2010. Reparação a perseguidos políticos do regime militar complementou a anistia de 1979 reconhecendo violações aos direitos humanos e pagando indenizações.




Foi criada então a comissão da Verdade, que não concedia anistia diretamente mas investigava violações a direitos humanos durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985. Quem concedia a anistia e indenização era outra comissão, a Comissão de Anistia, que está vinculada ao Ministério da Justiça. Agora, preste atenção neste número. Até 2010 a Comissão da Anistia já havia analisado 64 mil pedidos, tendo concedido 39 mil anistias a pessoas perseguidas pelo regime militar. Desses, muitos receberam indenizações ou reintegração do serviço. Seu objetivo claro era investigar perseguições políticas durante a ditadura militar identificando torturas, torturadores, mortes e desaparecimentos forçados. Quem ganhou, de fato, foi o país. Se essas anistias não tivessem sido concedidas, jamais o Brasil teria se reconciliado.



O caso mais emblemático de todos é o da Coluna Prestes, onde Getúlio Vargas manda prender Luís Carlos Prestes e os integrantes da sua coluna e mais tarde concede anistia. Depois disso, recebeu o apoio de Prestes na sua eleição para presidente da república em 1954.



Os fatos são históricos mas vale uma reflexão filosófica sobre o tema, especialmente para os cristãos. O que é anistia senão o perdão para um erro cometido? Se Deus resolvesse cobrar a todos por seus pecados não sobraria um ser humano sobre a Terra. Vale lembrar também dois fatos históricos. A Anistia Ampla Geral e Irrestrita, pela qual lutei, assinada pelo presidente militar João Baptista Figueiredo em 1979, traz no bojo uma história pouco conhecida. O seu pai foi participante da tentativa de golpe em São Paulo em 1932, na chamada Revolução Constitucionalista e foi anistiado.

Outro ponto que merece ser observado é que muitos analistas têm dito que a anistia não pode ser votada agora porque o julgamento de todos os envolvidos precisa estar concluído. Isto não é verdade. A lei 6683, que concedeu a anistia em seu artigo 1º, diz o seguinte: “artigo 1, inciso 1: a todos quantos no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, aos que tiveram, seus direitos políticos suspensos e aos que por atos de exceção, foram atingidos em caráter institucional por atos complementares. Inciso 2: aos que no mesmo período com fundamentos nos atos institucionais e complementares, por motivação exclusivamente política, nos seguintes casos:
a) demissão ou disponibilidade de servidores da administração pública direta e indireta;
b) punição imposta com fundamentos em regulamentos disciplinares a militares e empregados de empresas públicas ou de economia mista;
c) aposentadoria, transferência para a reserva ou reforma, com ou sem remuneração de militares e servidores da administração direta e indireta;
d) perda da graduação ou exclusão das Forças Armadas ou das Forças Auxiliares.

E segue com outros artigos garantindo a anistia e reintegração mediante requerimento formulado no prazo de 180 dias a contar da publicação desta lei.”





Percebam que o parágrafo 1 não fala em condenados ou julgados mas “aqueles que cometeram crimes políticos”. Portanto, a lei assinada por João Figueiredo, Petrônio Portela, Mário Andreazza, Geraldo Freire, Murilo Macedo, Walter Pires, Karlos Rischbieter e Golbery do Couto e Silva deixa claro que a anistia foi dada a aqueles que supostamente cometeram atos contra a democracia, independente de julgamento ou não.




Como podemos observar neste breve retrospecto histórico, sem anistia o gosto de vingança permanecerá dos dois lados. Minha opinião pessoal é que se Lula quer motivos para melhorar sua imagem perante a própria população brasileira, que tem desaprovado seu governo, o maior gesto que ele poderia fazer é ele próprio conceder a anistia aos seus supostos golpistas. Se o Congresso aprovar e Lula vetar, reforçará o sentimento de vingança. Caso a concessão da anistia parta de Lula, ele estará fazendo um gesto à altura de grandes homens como Pedro II, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, João Goulart, Washington Luís, Prudente de Morais, Marechal Deodoro da Fonseca e outros grandes nomes da história brasileira que tiveram essa atitude.










Comentários

21/03/2025

03:14

Aline - Rio de Janeiro

Excelente análise! Boa, Garotinho!

23/03/2025

08:59

Wallace Lucena - Rio de Janeiro

Meu eterno governador, o senhor tem razão!!!!

23/03/2025

09:54

Rogério Resende Silveira - Itaperuna

Eu também sou a favor da ANISTIA, no meu entendimento aquilo que aconteceu dia 08 de janeiro de 2023 nunca foi tentativa de golpe, e sim uma baderna generalizada!