Nem mesmo Sérgio Cabral, aquele que confessou diante do juiz Marcelo Bretas ser cleptomaníaco, teve coragem de fazer a loucura que pretendia. À época, foi impedido por Régis Fichtner, seu então chefe da Casa Civil. Mas a ideia foi vendida ao seu cliente de consultoria, o governador do Rio, Cláudio Castro. Acreditem, o atual governador do Estado reativou um banco privado, extinto há seis décadas, que detém a titularidade de precatórios estimados em mais de 1 bilhão de Reais, a serem pagos pelo próprio governo do Rio de Janeiro.
A história envolve áreas da Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, cuja empresa reivindica a propriedade. A diretora jurídica do ITERJ (Instituto de Terras do Rio de Janeiro) foi indicada por Cláudio Castro.
A maracutaia envolveu a JUCERJA (Junta Comercial do Rio de Janeiro) que, passando por cima de um parecer contrário da Procuradoria do Estado, aceitou a ata da assembleia que recriou o órgão. O Ministério Público determinou à Polícia Civil a instauração de um inquérito para apurar quais agentes públicos estão envolvidos no caso. O órgão do governo federal responsável pela fiscalização de bancos anulou a reativação afirmando em sua decisão que a empresa está extinta. Porém, a decisão foi suspensa para análise do recurso impetrado pelo Governo do Estado.
A confusão gira em torno do antigo Banco de Crédito Móvel - BCN, instituição considerada extinta desde 1964, quando era dona da área que abrange Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Vargem Grande, região de grande interesse imobiliário no Rio e alvo dos maiores casos envolvendo milícias no Estado.

Um grupo buscou reativar os registros do banco na JUCERJA com o nome de
BCN Ativos Imobiliários, a fim de obter o controle dos terrenos que alega serem seus. Duas dessas áreas foram desapropriadas na década de 60 e geraram precatórios (títulos de dívida do Estado) que hoje estão avaliados em mais de 1 bilhão de Reais. Hoje, os precatórios estão em nome dos herdeiros de Holophernes Castro e Pasquale Mauro, antigos sócios do banco que assumiram grande parte dos terrenos após a sua dissolução. Até mesmo a regularidade da propriedade atribuída a eles é alvo de questionamentos. Em 2024 a Procuradoria Geral do Estado alegou fraude nos registros dos imóveis desapropriados e conseguiu uma liminar para suspender o pagamento dos precatórios.
A ação da PGE também teve como alvo o BCN, mas os herdeiros da dupla tentam tirar a empresa do processo. O movimento começou em 2016 quando Heitor Castro, filho de Holophernes, se juntou a um grupo de advogados e empresários para reativar o banco. Para isso, considerou-se o único sócio com direito sobre a instituição e questionou a extinção do banco alegando que era dono dos terrenos. No ano de 2018 ele conseguiu arquivar na JUCERJA uma ata de assembleia com os sócios do BCN e, de maneira estranha, conseguiu um CNPJ na Receita Federal. Os outros herdeiros entraram na justiça pedindo o cancelamento do registro. Heitor Castro faleceu em 2018 mas os seus sócios no BCN continuaram com a ação. Alguns chegaram a ser indiciados sob suspeita de falsidade ideológica. Outras três assembléias do BCN ocorreram a partir de 2022. A JUCERJA arquivou duas atas dando legalidade aos atos, contrariando mais uma vez o posicionamento da Procuradoria do Estado, que alegou não ser possível movimentar o banco após a ordem judicial de 2018.
A JUCERJA é área de influência do deputado estadual André Corrêa, aliado de Castro, que indicou seu ex-assessor Sérgio Romay para presidir o órgão. A última assembleia do banco ocorreu em maio de 2023 e criou a Diretoria de Assuntos Estratégicos e Institucionais alegando “a grande quantidade de negociações e tratativas políticas que envolvem a companhia e que se mostram cada vez mais crescentes”.
MOVIMENTO AINDA MAIS ESTRANHO
Nesta assembleia decidiu-se sobre a transferência do banco para Brasília. A empresa registrou as ata desta assembleia na Junta Comercial do Distrito Federal e recebeu um novo CNPJ, porém a Justiça determinou nova cassação do registro na receita.
Em fevereiro deste ano, a Diretoria Nacional de Registro Empresarial e Integração da União determinou a revogação dos arquivamentos das atas do BCN. No dia 25 passado, os efeitos da decisão foram suspensos para análise de novo recurso. Há duas semanas o Governo Federal determinou a extinção da empresa na JUCERJA. A diretoria do BCN informou que os questionamentos ocorrem em razão de barbáries ilegais e criminosas que eles têm enfrentado e que vê influências políticas para impedir a recriação do banco.
A família de Paschoale publicou uma nota dizendo que o banco foi liquidado extrajudicialmente em 1964, sendo ilícita qualquer tentativa de recriação de uma companhia extinta e sem sucessores.
Nos corredores da Procuradoria Geral do Estado, as afirmações são de que a tentativa de recriar o BCN, extinto em 1964, vem da era Cabral. A negativa dos procuradores de carreira da época impediu que o Governo do Estado desembolsasse mais de 1 bilhão de Reais. Incentivado pelo seu novo consultor, Sérgio Cabral, Castro tenta agora retomar a negociata. Segundo fontes ouvidas sob sigilo, o pagamento dos precatórios renderia ao ex-governador e ao atual 15% do valor, algo em torno da bagatela de 150 milhões de Reais.